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#Passageiros: Esperando o trem


imagem: sxc.hu

Após um dia corrido de trabalho na cidade natal do Einstein - Ulm -, a minha jornada de volta ao Brasil incluiria ir até a estação de trem e tomar o próximo ICE (Trem rápido) até o aeroporto de Frankfurt. Passei no hotel, peguei minha mala e segui.

Era uma sexta-feira no fim de agosto, um dia bonito de sol e a pequena estação não estava tão cheia. Na máquina, fiquei sabendo que para o próximo trem não seria possível reservar um lugar, o que me fez pensar que o trem devia estar cheio e eu teria que encarar as duas horas de viagem em pé.

Assim sendo, fui direto para a plataforma e me sentei num banco estrategicamente posicionado. Esperei.


Alguns minutos mais tarde, um senhor sentou ao meu lado e sorriu, com receio. Se um desconhecido sorri pra você na Alemanha, isto não é normal. O prudente seria ignorá-lo e torcer para que ele fosse gastar essa simpatia em outro lugar. Mas eu tinha mais alguns minutos e perguntei se estava tudo bem.

A conversa que se seguiu foi tão inesperada quanto realista.

Eu não perguntei o seu nome, mas descobri rapidamente que o senhor havia nascido na Áustria e já vivia na Alemanha há décadas. Em troca, eu falei que estava esperando o trem pra Frankfurt.

Além do que parece óbvio, ter iniciado este diálogo denunciou que eu não poderia ser alemão. Então ele quis saber se eu morava na Alemanha. Respondi que não e ao mesmo tempo refleti sobre uma lição importante sobre este tipo de pergunta em países com imigrantes. Não é correto perguntar para uma pessoa de onde ela é, já que ela pode ser nascida e educada lá mesmo e a pergunta soar racista. Continuou.

Falou que já tinha viajado para muitos lugares e que nunca esqueceria a mulher e o lugar com quem viveu bons anos da sua vida. A mulher era colombiana. Quando ele cansou de lá, a levou para a Alemanha e quando ela cansou da Alemanha ele decidiu não acompanhá-la.

Filhos? Tinha um. Um filho alemão. Não quis outros.

Na verdade, não o conhecia bem, não eram próximos. Sabia onde ele mora, mas não tinha contato.
A essa altura, era justo e ele quis saber onde eu morava. Respondi que não muito longe da Colombia. Pela falta do sotaque, chutou Brasil - deduziu e acertou, indiquei.

Rio? Não. Mas gostaria...

Quis saber se conhecia alguma cidade além do Rio. Disse que já havia estado em Manaus e achou muito bonito. Queria ter voltado outras vezes, suspirou.

Ainda pode, pensei... Ainda pode, falei.

Notei que algumas pessoas já se movimentavam na plataforma e ele, olhando por cima do meu ombro disse: o trem já vem. Você ainda tem muitas horas de viagem até o Brasil, não é? Olhei no relógio e respondi que pelo menos 18. Ele sorriu e levantou com alguma dificuldade.

Perguntei se ele tinha um assento marcado, poderíamos continuar a conversa.

Ele disse que não pegaria esse trem. Me agradeceu pela conversa e pela educação.

Já pronto pra subir no trem, perguntei: e pra onde o senhor vai? Não vou para lugar nenhum. Eu fico só por aqui, respondeu calmamente.

Processei, sorri, acenei e entrei no vagão. 

Nas próximas horas, além de especular sobre o meu novo colega, - que poderia ser uma infinidade de coisas - optei pelo excêntrico escritor colecionando diálogos numa estação de trem. Percebi que em cada viagem que fazemos sempre encontraremos alguém que iremos lembrar sempre.

Pelo esquisito ou pelo fantástico.


>> Texto escrito pelo marido em uma de suas andanças - não tão - solitárias pelo mundo.
Rapha Aretakis

Viajante e sonhadora em tempo integral. Edito, escrevo e fotografo para o Raphanomundo desde 2010. Nascida no Recife, criada para o mundo, vivendo na Alemanha.

10 Comentários

  1. Lívia Freire16/03/2012, 12:22

    Senti uma leve tristeza na vida desse senhor ...
    Porque será que ele não fala com o filho?
    Porque não acompanhou a mulher, mas falou dela pra uma estranha?
    o.O

    as viagens são, realmente, lições para a vida.

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    1. Pois é, são essas perguntas que a gente fica se fazendo e que nunca serão respondidas. E o engraçado é que a gente nunca esquece dessas pessoas que passaram de forma tão rápida na nossa vida.

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  2. Lívia Freire16/03/2012, 12:37

    pois é ...
    tu podia lááá na frente, publicar um livro tipo diário só com diálogos com estranhos!

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    1. Temos muita vontade de escrever um livro. Por isso, seguiremos viajando e colecionando histórias. Quem sabe um dia elas não vão para o papel? :)

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  3. Lívia Freire16/03/2012, 12:48

    vão sim!
    irei pra tarde de autógrafos ;)

    tô torcendo!

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  4. Adorei... O que mais gosto em viagens são esses parênteses de conversas, de interação com o local - e, ao mesmo tempo, desconhecido...

    Curti. Mas concordo com vc... Acho que ficaria bem receosa de ficar puxando papo com um homem, europeu, do nada, lá na terra deles... Infelizmente passaria pela minha cabeça todos esses mesmos receios: racismo, xenofobia, sei lá...

    Parabéns!

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    1. Obrigada, Clarissa. Realmente esses diálogos são preciosos. Vale a pena olhar com atenção ao seu redor.

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  5. marido mandou bem. Esses diálogos "rapidos" e encontros com pessoas tão diferentes sem dúvida fazem parte de uma boa viagem.
    No sábado peguei um ônibus em Madri e por 20 minutos observei um grupo de 3 senhores de 75-80 anos (eles comentaram a idade de cada um) falando de como era a cidade há 40 anos atrás, da gastronomia, do campo, das mulheres... E pensei que foi um privilégio me sentar ali e presenciar um encontro como aquele.
    Boa semana, Rapha!

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    1. Lud, que prazer a sua visita por aqui. Acho que todo mundo que viaja aberto ao que se passa a sua volta tem uma história boa dessas para contar e com você não foi diferente. O sentimento é esse mesmo, o de ser privilegiado por vivenciar tal momento.

      Boa semana pra você também.

      :*

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