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Um fim de semana na Ilha do Mel (ou tudo o que a gente precisa)

A velocidade da vida hoje em dia é assustadora, tudo parece estar num fast forward, desde as nossas relações até as coisas mais banais do dia-a-dia. Todo mundo tem pressa, mas está engarrafado, tem vontade de fazer alguma coisa, mas deixa para amanhã. A cabeça não desliga, o corpo não descansa, os dias passam e o baile segue igual. Ser dono do próprio negócio, então, é estar cem por cento do tempo  tentando inovar e criar – é difícil separar as coisas. Aqui em casa, por exemplo, não sabemos o que são férias desde 2013. Por isso, cada mínima oportunidade de poder respirar outros ares é planejada e aproveitada em sua totalidade. Essa última vez, curiosamente, fizemos algo diferente, buscamos de última hora um lugar para ir durante o fim de semana. A princípio, a ideia era fazer um bate-volta na Ilha do Mel, no litoral do Paraná, mas o cansaço e a vontade de desconectar eram tão grandes que resolvemos pernoitar. Da ilha a gente só sabia três coisas: só se chega de barco, não tem iluminação pública nem sinal de celular. O que nos idos dos meus 17 anos seria um tormento de fim de semana, naquela sexta-feira foi como música para os meus ouvidos. Na noite da sexta-feira fizemos uma mochila com tudo o que precisaríamos para aquelas 36 horas seguintes: roupa de banho, lanterna, repelente, protetor solar, câmera, lanches, água e muda de roupa.







No sábado de manhã cedinho, antes dos primeiros raios de sol, já estávamos na estrada, a intenção era pegar a primeira barca rumo ao desconhecido. E assim o fizemos, enquanto o sol despertava tímido já estávamos a bordo de um barco rústico, sentindo a brisa no rosto. Para trás foi ficando, além do continente, tudo o que a gente não precisava mais. Que sensação de liberdade indescritível. Ao atracar no trapiche de Nova Brasília já sabíamos que a locomoção na ilha se daria através de caminhadas ou bicicleta, primeiro, seguimos andando até a trilha do Farol das Conchas, a fim de ver tudo do alto. Antes, fomos atraídos pelo barulho das ondas para a Praia de Fora. Deserta, os 3 surfistas na água e nós dois formávamos o número ideal para observar os movimentos do serelepe Tiê-Sangue, pássaro de coloração encantadora que se divertia com a vegetação da praia.  Vencidos os quase dois quilômetros de percurso e os 150 degraus, lá de cima a vista é uma senhora recompensa, mesmo em dias nublados – coisa corriqueira na região. No caminho de volta, os olhos mais apurados já encontravam outras belezas trilha afora, o dia nublado até pareceu providencial para ressaltar todo o colorido da flora e fauna da Ilha do Mel. 


                      

                       

A segunda etapa do passeio foi toda em cima de uma bike, agora o destino era a Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, distante 4 km do miolo de Nova Brasília. A praia de areia firme permite um delicioso passeio, com pausas para um lanche e fotos, passamos pelas praias do Istmo e da Fortaleza, sem pressa. Dentro do Forte outra volta ao passado, esse, ainda mais distante, pois sua construção data de 1767. Se na vida real os ponteiros passam tão rápido que nem chegamos a ver, na Ilha do Mel nós quisemos mesmo foi perder as horas. Por isso, nada de relógio. Na volta, antes de devolvermos nossas companheiras nessa aventura à beira-mar, um mergulho revigorante num mar gélido.



                           



Um almoço gostoso, caseiro, típico das regiões caiçaras, uma cerveja gelada, nos sentimos dentro da canção Tarde em Itapoã, tamanha era a preguiça que tomava conta dos nossos corpos. Um sorvete para refrescar e seguimos para mais um modal, um barco tipo voadeira, que nos levou de Nova Brasília até a praia de Encantadas, onde faríamos pouso. A essa hora o pôr do sol já se anunciava, foi tímido e preguiçoso, mas em conjunto com os demais acontecimentos do dia, ficou na medida certa. Com o cair da noite, a falta de iluminação não foi um problema, de lanterna em punho, desbravamos um pouco mais da Ilha que já havia começado a nos conquistar pela rusticidade. A tensão e desconfiança tão presentes nos dias de hoje iam deixando por completo a nossa mente, em paz aproveitávamos o momento com hora para acabar.  Dar uma volta na orla escura, iluminada por algumas poucas luzes de casas e bares só ouvindo o barulho do mar me fez voltar à infância em São José da Coroa Grande. Só faltou ser noite de lua cheia.

No dia seguinte, já descansados, o corpo se adiantou ao despertador (old habits die hard) e quis mais. Obedecemos e seguimos para a trilha da Gruta das Encantadas. A força do Mar de Fora naquela manha era tamanha, equiparável com a magnitude da gruta, formação rochosa de centenas de milhares de anos, dona de uma energia forte. Mais um passeio pela beira da praia veio a calhar. Para mim, que nasci perto do mar e há mais de 7 anos vivo longe dele, toda e qualquer oportunidade de ficar perto é apreciada sem pensar duas vezes. Entre conchas, bolachas do mar e caranguejos, aproveitei cada segundo. Voltamos à pousada a tempo de pegar o café da manhã começando. Mais surpresas e delicadezas: pão caseiro saindo do forno, geleia de maracujá, suco de melancia, abacaxi com melado orgânico, tudo perfumado e delicioso, daquele desjejum que a gente custa para acabar, sabe?  Mas finda a refeição, caminhamos mais um pouco, agora sem muita direção, seguimos pelas entranhas da ilha, cruzamos ela em sua latitude. Retornamos e a caminhada seguiu para o lado da Prainha, o sol que se escondeu no dia anterior, deu as caras com mais vontade no domingo. Montamos o acampamento numa área (ainda mais) tranquila da praia, foi o nosso ponto para um delicioso e demorado banho de mar, para mim, uma das melhores coisas da vida. O almoço foi uma explosão de sabores: açafrão, chutney de tomate, camarões, peixe e crustáceos e uma caipirinha, para não dizer que não falei de flores. 





O Tiê-Sangue nos fez companhia novamente, como um guardião da Ilha do Mel, fez as honras da casa e foi embora rápido, como alguém que, assim como nós, não gosta de despedidas. A bordo da barca a caminho do continente, leves e cheios de paz interior, não conseguimos nos despedir, só dizer até logo àquilo que ficou na ilha. Porque, às vezes, quase nada é tudo o que a gente precisa.

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Rapha Aretakis

Viajante e sonhadora em tempo integral. Edito, escrevo e fotografo para o Raphanomundo desde 2010. Nascida no Recife, criada para o mundo, vivendo na Alemanha.

2 Comentários

  1. quanto custou o aluguel das bikes?

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    1. Olá Natachi! Tem um post com dicas práticas bem detalhadas para você curtir a Ilha do Mel, mas o aluguel das bikes estava por 15 reais a hora, ou 60 o dia inteiro.

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